Tuesday, April 17, 2007


Vou reabrir este blog em honra duns quantos peregrinos cansados que regressam a Lisboa - uma história que merece ser contada.

Começa-se com uma conversa num café e uma tantas pesquisas na internet, e acaba-se estafado, escaldado e sequioso num jardim público de Santiago de Compostela, a arejar os pés e a brincar com margaridas entre amigos.

São 125km a pé, desde o porto de Ferrol, perto de A Coruña, passando por Neda, Miño, Betanzos, Bruma, Sigueiro e muitas outras vilazinhas galegas até chegar a Santiago. Não sendo a religião o principal motivador, começa-se o primeiro dia cheio de força, mas sem grande ideia das surpresas do caminho. Em Neda vimos a nossa primeira de muitas setinhas amarelas, o ponto de referência que indica o caminho a tomar. 20 e poucos quilómetros até Miño e já sabemos todos hablar gallego - é simples, substituem-se os 's' por 'x' e fala-se com 'acento' de corneta espanhola. 'Mira, mira!', para chamar a atenção; 'Cuantos qui-lho-metros hasta Santiago' e 'Cuatro cañas, por favor!'.

Como gasolina os famosos e bem grandes 'bocadillos' de jamon serrano e a agradável cerveja Estrella Galicia a cada paragem, e, claro, muita palhaçada na companhia de três amigos muito diferentes e muito especiais. Há o que canta logo ao alvorar, um Paulo Gonzo para animar as tropas, e que continua alegremente em canto até ao último nervo. Há o guardador de mapas, orientador do grupo com um sentido de humor muito próprio e uma certa insistência em alongamentos e 'stretchingzinhos'. Há a amiga que tem sempre razão, que sabe a cura para todas as mezinhas, as fases da lua, o vôo das aves migratórias e a colheita de papaias na Irlanda do Norte, e além de tudo isso é cúmplice nas piadas e atenta aos cansaços. Enfim, quando estas condições estão reunidas, só falta mesmo por-nos a andar.

Posso falar do dia dos 40km, em que nos enganámos e fizemos duas etapas numa só, em que já nos arrastávamos com bolhas nos pés e tinhamos vontade de gritar cada ver que aparecia mais uma seta.

Ou do dia em que a estrada nunca-mais-acabava-sempre-em-frente-sem-virar-à-chapa-do-sol, em que ao ver o primeiro café as meninas desataram num ataque de histeria de risos misturados com choro de alívio- até se perceber que não havia sitio para dormir. Um simpático 'caballero' ofereceu-se para nos levar a um hostal a 6km; Paulo já tinha sido seminarista e não se interessou pelas nossas promessas de rezar por ele em Santiago.

É o espírito de ayudar los pelegrinos que mais me comoveu, toda a santa velhinha, criança e vaca sabe o caminho caso as setas não aparecam, desejam 'buen viaje' e sorriem..'ah..já soy veijo, já no puedo ir..'

Além de toda a beleza da paisagem, a simpatia dos 'autóctones', dos amigos, o orgulho ao fim de cada dia ao ver cada etapa ultrapassada, a aventura - há mais, há um certo teor espiritual (não-religioso), uma parte de nós que se enche, de suor e cansaço; raro e necessário.

Depois, por mais estranho que pareça, a chegada a Santiago quase que desaponta, porque chega-se à conclusão que o importante não é o fim da jornada,o objectivo, mas o caminho em si - e já se sentem as saudades e, mesmo depois de 120km, a pessoa sente-se restabelecida e cheia de vontade de continuar, até à costa, até ao mar, ao infinito e mais além!
-Hide and Seek, Imogen Heap

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