Wednesday, May 09, 2007


Uma pequena selecção de poemas de ... amizade .


Luís Miguel Nava (1957-1996)



PAIXÃO

Ficávamos no quarto até anoitecer, ao conseguirmos

situar num mesmo poema o coração e a pele quase podíamos

erguer entre eles uma parede e abrir

depois caminho à água.



Quem pelo seu sorriso então se aventurasse achar-se-ia

de súbito em profundas minas, a memória

das suas mais longínquas galerias

extrai aquilo de que é feito o coração.



Ficávamos no quarto, onde por vezes

o mar vinha irromper.

É sem dúvida em dias de maior

paixão que pelo coração se chega à pele.

Não há então entre eles nenhum desnível.





Ângelo de Lima (1872-1921)


Eu ontem vi-te...Andava a luz

Do teu olhar,

Que me seduz

A divagar

Em torno a mim.

E então pedi-te,

Não que me olhasses,

Mas que afastasses,

Um poucochinho,

Do meu caminho,

Um tal fulgor

De medo, amor,

Que me cegasse,

Me deslumbrasse

Fulgor assim.







José Gomes Ferreira (1900-1985)



Dá-me a tua mão.

Deixa que a minha solidão

prolongue mais a tua—

para aqui os dois de mãos dadas

nas noites estreladas,

a ver os fantasmas a dançar na lua (...)






Fernando Pessoa (1888-1935)



POESIA

Dá a surpresa de ser.

É alta, de um louro escuro.

Faz bem só pensar em ver
Seu corpo meio maduro.

Seus seios altos parecem

(Se ela estivesse deitada)

Dois montinhos que amanhecem

Sem ter que haver madrugada.


E a mão do seu braço branco
Assenta em palmo espalhado

Sobre a saliência do flanco

Do seu relevo tapado.


Apetece como um barco.

Tem qualquer coisa de gomo.

Meu Deus, quando é que eu embarco?

Ó fome, quando é que eu como?




-Bachelorette, Bjork

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